terça-feira, 24 de julho de 2012

O caminho partilhado.

Para superar a dor causada pela perda do pai, morto no atentado de 11 de setembro de 2001, um menino autista empreende uma jornada pelas ruas de Nova York.


O processo de elaboração de uma perda muito dolorosa pode ser comparado ao desatar de vários pequenos laços. É difícil falar em tempo de elaboração nesses casos, mas é possível considerar o período de um ano para que a dor mais intensa seja experimentada, suportada e elaborada – ainda que não termine. Por que 12 meses? Na verdade, o prazo é mais simbólico que cronológico, pois nesse período são vividas todas as datas comemorativas, como Natal e aniversários. Para seguir adiante, é imprescindível o desligamento da libido, uma ideia que aparece no texto Luto e melancolia, de Freud, de 1915. “O objeto não morreu verdadeiramente, foi perdido como objeto amoroso (...). Em outros casos ainda achamos que é preciso manter a hipótese da perda, mas não podemos discernir claramente o que se perdeu, e é lícito supor que o doente pode ver conscientemente o que perdeu”, escreve o criador da psicanálise. O filme Tão forte e tão perto, dirigido por Stephen Daldry, fala desse desligamento necessário.

Sem passar por esse processo, torna-se impossível retomar (ou iniciar) outros investimentos libidinais e há o risco de que seja desencadeado um quadro melancólico. Para superar a saudade do pai, interpretado por Tom Hanks, morto no atentado às Torres Gêmeas em 11 de setembro de 2001, em Nova York, o protagonista, Oskar Schell, de 11 anos, vivido por Thomas Horn, empreende uma sofisticada jornada quando encontra uma misteriosa chave.

No dia do ataque, o pai havia ido a uma reunião de negócios no restaurante no topo da Torre Norte, a primeira a ser atingida. Nenhuma das pessoas que estava no local sobreviveu, mas muitas conseguiram falar com pessoas queridas antes do desabamento. Ele chega a ligar para casa várias vezes antes de a torre cair e deixa mensagens na secretária eletrônica. Oskar as ouve, mas esconde esse fato da mãe. Atormentado, tenta encontrar algum sentido para o fenômeno atravessado pela intangível brutalidade.

Começa aí uma espécie de intricada caça ao tesouro, cujo prêmio por superar os medos, a solidão e a angústia é a possibilidade de reintegrar psiquicamente a figura paterna e livrar-se da culpa por não ter sido “melhor” do que foi possível ser.

Nessa busca, o garoto encontra-se com o “inquilino” idoso que se hospeda na casa de sua avó, a poucos metros de sua residência. Gradualmente, o homem que nunca diz nada, apenas escreve mensagens em um bloquinho, adquire papel importante na vida do menino ao engajar-se de forma silenciosa (e por vezes relutante) na expedição.

Oskar apresenta sintomas do espectro autista, mas essa característica é pouco explorada no filme e ganha maior ênfase no livro Extremamente alto e incrivelmente perto (Rocco, 2006), de Jonathan Safran, no qual o filme se baseia. Porém, independentemente de eventuais sintomas mais ou menos óbvios, Oskar é uma criança excepcional: extremamente inteligente, gosta de inventar coisas, admira a cultura francesa e é um inveterado defensor da paz mundial. O livro tem seu encanto, uma vez que recursos gráficos como imagens, anotações, números e espaços propositadamente mantidos em branco enriquecem a narrativa do protagonista.

Deixando de lado a tentação de estabelecer comparações, o filme tem muito a dizer. Algumas constatações permeiam a história. A primeira é óbvia, mas vale ser lembrada: nunca é possível reconhecer o último momento de felicidade que antecede uma tragédia. A segunda, atrelada à anterior, é que, por mais que tentemos negar, a impermanência se faz presente. E embora saibamos que tudo muda a todo o momento tendemos a nos agarrar ao que parece estável – o que inevitavelmente leva à frustração.

Procurando respostas que supram as lacunas do luto, Oskar encontra vários personagens, cada um com os próprios anseios, tragédias pessoais e alegrias – possivelmente essas pessoas e suas vicissitudes representem um aspecto subjetivo a ser encontrado, visitado e acolhido. A forma como o menino faz essas aproximações revela, a cada momento, a presença viva do pai em contraste com a da mãe – desenergizada e “morta” aos olhos do filho, aparentemente entregue à própria dor e incapaz de acolhê-lo. Mas só parece: ela oferece respaldo à aventura do menino.

Para quem se dedica ao atendimento e à escuta de pessoas, o filme reserva uma espécie de “plus”. A função do personagem da mãe pode ser comparada à do psicanalista que dá suporte ao paciente, muitas vezes de forma discreta, acompanhando seus movimentos de forma intensa e próxima. A revelação da força e da dedicação da mãe confere aspectos inesperados à trama. Enquanto o menino segue mapas, desafia-se, revive e reencena a morte do pai, criando chances de superar o trauma, a mãe vela por ele. Delicadamente, refaz os passos do menino. E ao partilhar o caminho percorrido ela encontra o próprio trajeto para superar a melancolia.

TÃO FORTE E TÃO PERTO
129 min – Estados Unidos, 2011
Direção: Stephen Daldry
Elenco: Tom Hanks, Sandra Bullock, John
Goodman, Max von Sydow, James Gandolfini,
Jeffrey Wright, Thomas Horn, Adrian Martinez,
Zoe Caldwell, Gina Varvaro

Fonte: http://www2.uol.com.br/vivermente/noticias/o_caminho_partilhado.html

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